Desmentindo o pessimismo: Volta Por Cima é um marco para descendentes asiáticos, Mais que entretenimento: Volta Por Cima rompeu barreiras culturais
Quando a estreia de “Volta por Cima”, escrita por Claudia Souto, foi anunciada, surgiram diversos ruídos entre as fãs de k-dramas antes mesmo da exibição do primeiro capítulo. Isso se deve ao que chamo de “comentários reflexos de espelho”. Explico:
Hoje, apesar de sua relevância, as redes sociais não são um parâmetro real do público nacional. Um grupo relativamente pequeno, mas barulhento, antecipa pessimismo e gera a impressão de que tudo está desmoronando. Com “Volta por Cima”, não foi diferente. Parte do ruído veio de quem simplesmente não gosta das novelas da Globo e, por puro pré-julgamento, não perdeu a chance de disseminar hate sem sequer assistir a um episódio. Outra parte veio das fãs de k-dramas que, por já terem sofrido bullying por amarem esse estilo narrativo, previram que a personagem Tati (Bia Santana) teria na trama o mesmo destino que enfrentam na “vida real”. Somado talvez pelo trauma causado pela novela “A Força do Querer”, exibida originalmente em 2017 onde os personagens Yuri e Heleninha foram considerados estereotipados otakus devido à forma como suas características e comportamentos foram retratados. Yuri, por exemplo, foi mostrado como alguém extremamente imerso no universo dos jogos e animes, com uma obsessão que, em alguns momentos, parecia desconectada da realidade. Já Heleninha, sua mãe, foi retratada como alguém que não compreendia esse universo e frequentemente demonstrava preocupação exagerada com o comportamento do filho.
Essa abordagem gerou críticas porque, para alguns espectadores, reforçou estereótipos negativos associados aos fãs de cultura japonesa e otaku, como isolamento social e falta de equilíbrio entre hobbies e responsabilidades. Esse “pessimismo espelhado” veio acompanhado de uma pitada de ciúmes com relação aos atores sul-coreanos na novela e que poderiam (ainda bem que não), fossem retratados do mesmo modo.
No entanto, graças ao excelente texto de Claudia Souto e seus colaboradores, o personagem Jin (Allan Jeon) conquistou o público com sua simpatia e energia, dissipando gradativamente essa onda de pessimismo. Ao longo da trama, ele foi ganhando espaço e se tornou uma figura significativa na história, chegando a ter mais tempo de tela que personagens inicialmente considerados centrais.
Contudo, meu foco aqui não é criticar a atuação ou a história, mas sim destacar as escolhas assertivas de Carol sobre como os k-dramas foram apresentados e como cada ator representou sua origem asiática, tornando a narrativa significativa para o Brasil como um todo. E explico o porquê.
A Coreia do Sul é um país pequeno comparado ao Brasil, um gigante territorial. Isso faz com que grande parte da população brasileira desconheça as produções sul-coreanas. Pasme: até pouco tempo, eu não sabia que fora da capital paulista (e mesmo no Rio de Janeiro) é raro encontrar um oriental ou descendente em carne e osso.
Analisando a trama, percebi que a introdução do Jin foi feita de forma calculada, em doses “homeopáticas”, para que o público compreendesse o universo dos k-dramas. A ideia de criar uma novela dentro da novela foi genial. A origem mista do personagem trouxe credibilidade à possibilidade de ele e outros personagens falarem português, pois, segundo a trama, Jin ensinava o idioma para todo o elenco.
E essa não foi a única sacada genial e educativa. Graças ao texto da Carol, o público brasileiro aprendeu que Japão, China e Coreia do Sul têm idiomas distintos. Entendeu que descendentes nascidos no Brasil são brasileiros, não japoneses, chineses ou coreanos. A trama também mostrou a rotina rigorosa dos atores asiáticos, que exige um alto custo emocional e mental, e denunciou como a indústria trata idols como produtos, gerando um estresse extremo aos envolvidos, inclusive com a exploração materna pelo sucesso dos filhos.
O recado foi dado, e de forma respeitosa, sem os achismos pessimistas dos haters de plantão. Destaco ainda que, além de Allan Jeon, que representou a Coreia do Sul, também tivemos participações importantes de descendentes de outras nacionalidades: Jacqueline Sato (Japão) e Chao Chen (China), cada um representando sua própria origem. Afinal, nem todo mundo é igual. Um detalhe importante: em todos os capítulos, as produções foram chamadas pelo termo correto, “k-dramas”, deixando aquele outro nome de lado — por isso, meus parabéns!
Se tiver algo a criticar, seria meu desejo de ver “Pétalas de Amor” na íntegra, desta vez em hangul, com legendas. Entendo que a dublagem mantém a inclusão para o público brasileiro em geral, mas seria uma experiência ainda mais imersiva.
No mais, meus sinceros agradecimentos à produção, que tratou com muito respeito esse estilo narrativo que conquistou o Brasil e o mundo e dessa vez acertou o passo deixando de lado a desastrosa novela “Sol Nascente”.
Segundo reportagem da revista Veja, a autora mais acertou do que errou, inclusive superando a audiência da nobre Mania de Você, e ressalta “Representatividade sem estereótipos. Souto também inovou ao construir personagens asiáticos de forma diferente dos anteriores, que vinham estereotipados. No folhetim das 7, há um núcleo inspirado na cultura da Coreia do Sul e liderado pelo influenciador Allan Jeon, intérprete do jovem Jin Kown. Além disso, há o Alberto Fontoura, vivido por Chao Chen, que está em outro núcleo e tira aquele perfil dos personagens amarelos que carregam o sobrenome oriental. E, por fim, a atriz Jacqueline Sato, que interpreta Yuki. Sua história vai para o lado social, ao mostrar os desafios que uma mulher enfrenta para sair de uma relação tóxica.
Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/o-legado-de-volta-por-cima-que-claudia-souto-deixa-na-teledramaturgia/
Clique na imagem abaixo para assistir a cena em que Jin reencontra os pais.
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