Artigo | A nossa posição sobre a novela “dorama”

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Com o Tratado de Eulsa, assinado em 1905, a Coreia tornou-se um protetorado do Japão, e os cidadãos coreanos foram escravizados. Uma série de leis que visavam suprimir a cultura coreana foi imposta e iniciou-se um processo de assimilação forçada. A língua coreana foi banida, por exemplo. A literatura e as canções nacionais foram proibidas e, posteriormente, sob a lei Sōshi-kaimei, nomes de origem coreana foram barrados, com as famílias sendo obrigadas a darem aos seus filhos nomes de origem japonesa. Durante a Guerra do Pacífico (1941-1945), coreanos escravizados foram enviados para trabalhar nas nações ocupadas pelo exército imperial japonês, ao mesmo tempo que milhares de mulheres (incluindo crianças) foram forçadas pelos japoneses à pr0st1tu1ção (as chamadas “mulheres de conforto”). Embora, posteriormente, o governo do Japão tenha pedido desculpas pelos seus crimes na Coreia, ainda há nítidas sequelas e a relação entre os dois países no século XXI, ainda que siga amigável e cooperativa, permanece meio tensa, ao menos socialmente falando.

A própria História ilustra muito bem por que o uso da palavra de origem japonesa “dorama” para produções da Coreia do Sul (e asiáticas em geral) é errado e gera desconforto para nativos e seus descendentes. No começo do século 20, o Japão literalmente dizimou o passado e a cultura da Coreia. Graças ao esforço dos descendentes, vemos o resgate de uma cultura que ganhou o mundo por conta do k-pop e os k-dramas, hoje motivos de orgulho para eles. Cabe a nós, em respeito a lembranças não tão antigas, entender, respeitar e dar o lugar de fala a quem pertence. Isso, claro,  sem contar a questão da oralidade, em que a palavra surge de uma característica do idioma coreano, que não tem o som “DRA”. Ainda assim, a palavra resultante não seria “dorama”. Veja só: o som do — é tão difícil para a nossa pronúncia quanto o DR é para um coreano. Isso já seria comparação suficiente para não utilizarmos a expressão.

Daniela Mazur, pesquisadora do MidiÁsia, afirma que “chamar um drama sul-coreano, ou k-drama, de ‘dorama’ é mais uma forma de estereotipar um consumo, além de ativar estruturas históricas de raízes imperialistas”.

Yun Jung Im, professora e coordenadora de graduação em Letras, vai além: “Generalizar as produções do sudeste asiático como ‘doramas’ seria como chamar todos os asiáticos de ‘japa’, contrariando a tendência atual de dar voz às minorias, se é que podemos chamar os dramas coreanos de minoria no quadro atual das produções de streaming no mundo.”

A Associação Brasileira de Coreanos complementa: “Não é certo generalizar expressões culturais. Cada produção tem suas características, peculiaridades e um público específico. Generalizar é confundir as peculiaridades. É como falar que toda comida nordestina é comida baiana”, diz o texto.

Independentemente da popularização de um termo, existe uma boa dose de preguiça social em insistir em mantê-lo se o público com lugar de fala o renega. A verdade é que alguns só não querem chamar de outra coisa, enquanto certos expoentes de divulgação da cultura não querem perder a hashtag que atrai multidões, em completo contraste com sua responsabilidade como comunicadores. Não existem consequências graves em adotar (ou não, no caso) expressões que sejam aceitas por todos, inclusive os mais afetados pela decisão. A Academia Brasileira de Letras mirou na homenagem e acertou na ofensa ao não se informar corretamente antes de adotar uma expressão infeliz. Paciência. O que se faz? Ouvimos os maiores conhecedores do assunto – nativos e descendentes – acatamos a opinião de quem importa (são eles, tá?), recalculamos a rota e seguimos em frente. “Mas que nome usaremos, então?” Bem, se está mais do que provado que “dorama” não é aceito como uma homenagem, como parecia ser o intuito, que tal simplesmente “série”? Basta pensarmos na resistência ao uso de “novela”, um formato bem brasileiro (e ai de quem chamar de ‘telenovela’, esta popular nos países de língua espanhola, especialmente no México), justamente por ser brasileiro: muito mais capítulos, exibição diária, enredo mais longo – para não dizer arrastado, às vezes. Tecnicamente, as produções sul-coreanas de hoje seriam minisséries, em sua maioria.

Existe mesmo a necessidade de chamar as séries sul-coreanas por um nome diferente? Alguém procura expressões específicas para classificar “Dark”, “La Casa de Papel” e as também muito populares séries turcas? O termo “série” só vale para produções em inglês? Que a gente me lembre, essas eram chamadas de “enlatados” não faz muito tempo. Precisamos mesmo polarizar também o nosso entretenimento?

 

Aprenda um pouco de história com os K-DRAMAS

Pachinko

Todo o k-drama é importante, mas o episódio 7 em especial narra o que aconteceu no Grande Terremoto de Kanto, em 1923, no que seria hoje chamado de fake news xenofóbico. Nesse episódio civis armados com lanças de bambu, espadas e armas, em um ato de selvageria, com base em rumores que coreanos estavam se revoltando e cometendo atos de sabotagem, assassinaram mais de 6 mil pessoas.

Nossas primeiras impressões sobre o episódio 7, sobre o grande terremoto de Kanto.

 

A Última Princesa

A história da última princesa da Coreia, a Princesa Deokhye, falecida em 1989, após uma vida trágica e infeliz.

 

Amanhã

O episódio 13 aborda o drama das mulheres de conforto, em uma história comovente.

Para ler a nossas primeiras impressões sobre o episódio 13 clique aqui

O Rei Eterno

O k-drama de fantasia da Netflix aborda um grande E SE a Coreia unificada ainda vivesse no regime de Joseon. A personagem Governanta Noh fala sobre as mulheres no tempo da guerra em um monólogo emocionante.

Para ler a nossa resenha clique aqui

 

Por: Vicki Araujo e Surya Bueno

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