O k-drama “Meu Amor das Estrelas” traz uma passagem significativamente importante que remete às dinastias Goryeo (918–1392) e, especialmente, Joseon (1392–1897), bem como ao papel do Confucionismo, que moldava profundamente a sociedade coreana da época. Um dos conceitos centrais nesse contexto é o da Yeolnyeo (열녀), termo que designava mulheres veneradas por sua virtude e lealdade conjugais, especialmente por manterem fidelidade extrema ao marido — mesmo após sua morte.
Embora não se trate de um spoiler que comprometa a experiência da série, compreender esse conceito agrega valor ao enredo, principalmente agora que o drama estreia finalmente no SBT, no dia 9 de junho, às 16h45.
Na trama, o alienígena Do Min-Joon (interpretado por Kim Soo Hyun) chega à Terra há 400 anos e, sem conhecer os costumes locais, salva uma jovem viúva de 15 anos chamada Yi-Hwa (interpretada por Kim Hyun-Soo). Ela era cotada pela família para ser reconhecida como uma Yeolnyeo. No entanto, ao expressar gratidão a Do Min-Joon — simplesmente por ter falado com ele e apresentado-o aos pais como seu salvador —, Yi-Hwa é considerada indigna da “honraria”. Como resultado, acaba sendo condenada à morte.
Esse episódio do passado é fundamental para a compreensão dos diálogos e motivações dos personagens ao longo da série. O título de Yeolnyeo era concedido a mulheres viúvas que se recusavam a se casar novamente ou, em casos mais extremos, que cometiam suicídio após a morte do marido. Esse ideal era promovido pelo Estado confucionista da Dinastia Joseon como modelo de virtude feminina.
O que isso significava na prática?
Durante as dinastias Goryeo e Joseon, o Confucionismo estabeleceu uma estrutura social que exigia da mulher obediência ao pai, ao marido e, depois, ao filho. No caso das Yeolnyeo, a mulher era exaltada por:
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Permanecer viúva até o fim da vida;
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Recusar-se a casar novamente;
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Viver em luto e austeridade;
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Em casos extremos, cometer suicídio após a morte do marido como prova máxima de fidelidade.
Apesar de parecer uma forma de reconhecimento, o título de Yeolnyeo funcionava como instrumento de controle social e patriarcal. Ao transformar o luto perpétuo em virtude suprema, o Estado reforçava a ideia de que o valor da mulher estava incondicionalmente ligado ao marido — mesmo após a sua morte.
Como a sociedade coreana vê isso hoje?
Hoje, embora ainda existam monumentos e registros dessas mulheres, o tema é analisado com um olhar mais crítico. Esses registros são vistos como testemunhos de uma era em que a virtude feminina era definida por abnegação total.
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Ao se casar, a mulher passava a pertencer formalmente à família do marido.
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Assim, seus atos de virtude (como o suicídio ou a castidade) traziam honra à linhagem do marido, não à sua família de origem.
Coletâneas como o Yeolnyeojeon reuniam histórias idealizadas de mulheres celebradas como heroínas morais. Um enredo comum era o da esposa que se jogava no rio ou se enforcava ao saber da morte do marido, deixando um bilhete exaltando a lealdade conjugal. Em troca, a família do marido recebia benefícios e homenagens por essa “honraria”.
Consequências e recompensas (para a família do marido)
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Proibição de novo casamento: Viúvas eram legalmente impedidas de se casar novamente. Se desobedecessem, seus filhos e netos podiam ser banidos dos exames públicos.
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Isolamento social: Esperava-se que vivessem reclusas, evitando qualquer interação com homens.
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Pressão para o suicídio: Em casos extremos, havia pressão para que se matassem, sendo então glorificadas como Yeolnyeo.
As recompensas geralmente iam para a família do marido, não para a mulher nem para sua família biológica.
Exemplos de recompensas oferecidas pelo Estado:
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Isenção temporária de impostos;
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Promoção do status social da família na vila;
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Entrega de arroz, grãos ou dinheiro;
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Construção de portões comemorativos (Yeolnyeo Mun);
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Registro do nome da mulher nos anais reais ou recomendação para culto ancestral.
Em casos concretos, se uma mulher de 18 anos ficasse viúva e escolhesse não se casar novamente, o governo local poderia:
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Construir um Yeolnyeo Mun em frente à casa da família do marido;
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Doar arroz, tecidos finos e uma quantia simbólica em dinheiro;
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Registrar seu nome como exemplo de moralidade — mas sempre em benefício da família do marido.
A família biológica da mulher raramente era mencionada, pois ela era considerada “transferida” para a outra casa após o casamento.
Controle social e patriarcado
Esse sistema fazia parte de um rigoroso controle sobre o corpo e a sexualidade feminina, promovido pelos valores do Neoconfucionismo:
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A mulher “ideal” era silenciosa, fiel, reclusa e submissa;
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A fidelidade não era uma escolha pessoal, mas um dever social;
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Os atos da mulher traziam prestígio à família do marido, e ela própria perdia sua autonomia.
Mesmo conversas inocentes com homens fora da família direta podiam manchar a reputação da mulher e afetar o futuro de seus filhos.
Em resumo, o conceito de Yeolnyeo ilustra uma realidade sombria da história coreana tradicional, e sua inclusão em “Meu Amor das Estrelas” dá profundidade cultural à narrativa. Entender esse contexto histórico ajuda a perceber como o passado influencia os personagens e suas decisões — e também como a série dialoga com temas relevantes sobre gênero, tradição e resistência.
Pinturas e Representações Visuais de Yeolnyeo
1. Retratos de Mulheres Virtuosas
Embora raros, alguns retratos de mulheres reconhecidas por sua virtude foram preservados. Por exemplo, o “Retrato da Esposa de Ha Yeon” é uma pintura anônima em tinta e cor sobre seda, medindo 146×93 cm, que pertence a uma coleção privada. Este retrato representa uma mulher que foi homenageada por sua lealdade e virtude durante a Dinastia Joseon. ijkaa.org
2. Portões da Castidade (Yeolnyeo Mun)
Além de retratos, era comum a construção de portões comemorativos chamados Yeolnyeo Mun (열녀문) em homenagem a mulheres que demonstravam extrema lealdade conjugal. Esses portões serviam como monumentos públicos para celebrar a virtude dessas mulheres e reforçar os valores confucionistas na sociedade.
Em outros k-dramas
- O Portão Memorial das Mulheres Virtuosas (filme sul-coreano, 1962)
- Knight Flower (série de TV sul-coreana, 2024) Aqui, uma nobre viúva é forçada a ser reclusa, enquanto a sogra de outra viúva tenta forçar sua nora a cometer suicídio, para ganhar prestígio e honra para a família.
- A história do contrato de casamento de Park (série de TV sul-coreana, 2023–2024) Aqui, a heroína (uma viúva) é assassinada na noite de núpcias, na busca de sua sogra pelos bens materiais disponíveis para mulheres declaradas como “virtuosas”.
- Poong, o psiquiatra de Joseon (série de TV sul-coreana, 2022–2023) Os sogros da heroína (que ficou viúva na noite de núpcias) a intimidam para tentar suicídio e, finalmente, tentam assassiná-la, a fim de ganhar as recompensas disponíveis para mulheres virtuosas.
Observe que, embora as três últimas histórias critiquem essencialmente o ideal de yeolnyeo , elas também defendem o ideal neoconfucionista, no qual o casal principal se une como virgens, com a viúva nunca tendo consumado seu casamento.
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